GUILHERME AUGUSTO ARAÚJO
FERNANDES
Escrito por Mem
Fox Ilustrado por Julie Vivas
Era uma vez um
menino chamado Guilherme Augusto Araújo Fernandes e ele nem era tão velho
assim. Sua casa era ao lado de um asilo de velhos e ele conhecia todo mundo
que vivia lá. Ele gostava da Sra. Silvano que tocava piano. Ele ouvia as
histórias arrepiantes que lhe contava o Sr. Cervantes. Ele brincava com o Sr.
Valdemar que adorava remar. Ajudava a Sra. Mandala que andava com uma
bengala. E admirava o Sr. Possante que tinha voz de gigante. Mas a pessoa
que ele mais gostava era a Sra. Antônia Maria Diniz Cordeiro, porque ela também
tinha quatro nomes, como ele. Ele a chamava de Dona Antônia e contava-lhe
todos os seus segredos. Um dia, Guilherme Augusto escutou sua mãe e seu pai
conversando sobre Dona Antônia. - Coitada da velhinha - disse sua mãe. -
Por que ela é coitada? - perguntou Guilherme Augusto. - Porque ela perdeu a
memória - respondeu seu pai. - Também, não é para menos - disse sua mãe. -
Afinal, ela já tem noventa e seis anos. - O que é memória? - perguntou
Guilherme Augusto. Ele vivia fazendo perguntas. - É algo de que você se
lembre - respondeu o pai. Mas Guilherme Augusto queria saber mais; então, ele
procurou a Sra. Silvano que tocava piano. - O que é memória? -
perguntou. - Algo quente, meu filho, algo quente. Ele procurou o Sr.
Cervantes que lhe contava histórias arrepiantes. - O que é memória? -
perguntou. - Algo bem antigo, meu caro, algo bem antigo. Ele procurou o
Sr. Valdemar que adorava remar. - O que é memória? - perguntou. - Algo que
o faz chorar, meu menino, algo que o faz chorar. Ele procurou a Sra. Mandala
que andava com uma bengala. - O que é memória? - perguntou. - Algo que o
faz rir, meu querido, algo que o faz rir. Ele procurou o Sr. Possante que
tinha voz de gigante. - O que é memória? - perguntou. - Algo que vale
ouro, meu jovem, algo que vale ouro. Então Guilherme Augusto voltou para
casa, para procurar memórias para Dona Antônia, já que ela havia perdido as
suas. Ele procurou uma antiga caixa de sapatos cheia de conchas, guardadas há
muito tempo, e colocou-as com cuidado numa cesta. Ele achou a marionete, que
sempre fizera todo mundo rir, e colocou-a na cesta também. Ele lembrou-se,
com tristeza, da medalha que seu avô lhe tinha dado e colocou-a delicadamente ao
lado das conchas. Depois achou sua bola de futebol, que para ele valia ouro;
por fim, entrou no galinheiro e pegou um ovo fresquinho, ainda quente, debaixo
da galinha. Aí, Guilherme Augusto foi visitar Dona Antônia e deu a ela, uma
por uma, cada coisa de sua cesta. "Que criança adorável que me traz essas
coisas maravilhosas", pensou Dona Antônia. E então ela começou a se
lembrar. Ela segurou o ovo ainda quente e contou a Guilherme Augusto sobre um
ovinho azul, todo pintado, que havia encontrado uma vez, dentro de um ninho, no
jardim da casa de sua tia. Ela encostou uma das conchas em seu ouvido e
lembrou da vez que tinha ido à praia de bonde, há muito tempo, e como sentira
calor com suas botas de amarrar. Ela pegou a medalha e lembrou, com tristeza,
de seu irmão mais velho, que havia ido para guerra e que nunca voltou. Ela
sorriu para a marionete e lembrou da vez em que mostrara uma para sua irmãzinha,
que rira às gargalhadas, com a boca cheia de mingau. Ela jogou a bola de
futebol para Guilherme Augusto e lembrou do dia em que se conheceram e de todos
os segredos que haviam compartilhado. E os dois sorriram e sorriram, pois
toda a memória perdida de Dona Antônia tinha sido encontrada, por um menino que
nem era tão velho assim.
Fonte:
FOX, Mem. Guilherme Augusto Araújo
Fernandes. São Paulo: Brinque-Book, 1984.
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